A arte e a cultura dentro das favelas como agente transformador
A arte está em tudo e em todo lugar. Para muitos, é considerada como um conforto, paixão e uma ponte para o desenvolvimento pessoal e crítico sobre o mundo. Mesmo que ainda distante da realidade de muitos moradores das favelas do Rio de Janeiro, há de se reconhecer certo avanço na aproximação do jovem da periferia a esses espaços que cultuam o teatro e todos os demais tipos de arte. Discutir a arte já existente nas favelas é entender de que forma a mesma é capaz de tocar e transformar a vida de quem permite recebê-la.
Como sempre defendeu Augusto Boal, dramaturgo e diretor carioca que se tornou um dos maiores nomes do teatro no Brasil e internacionalmente, o teatro é um lugar para todos. Seja na plateia ou em cima dos palcos, o “fazer teatro” toma o papel de uma política que deve ser respeitada como um direito de qualquer cidadão, principalmente o periférico. O morador das favelas e comunidades da cidade constantemente encontra dificuldades em pertencer aos espaços responsáveis por oferecer a aproximação com a linguagem teatral e a arte num aspecto geral.
Graças ao pioneirismo de grupos teatrais comunitários, como o “Nós do Morro”, que há mais de 30 anos vêm despertando o interesse e proporcionando acesso à arte e cultura aos moradores do Morro do Vidigal, esse cenário aos poucos se modifica. A grandiosa ajuda das ações afirmativas que promovem a inclusão socioeconômica e a igualdade de acesso à oportunidades, também merecem o crédito. Levar o teatro até as comunidades vem sendo o trabalho de vida de muitos profissionais da arte que acreditam e vivem da mesma filosofia.
É o caso da professora e Doutora Marina Henriques Coutinho, coordenadora do programa de extensão “Teatro em Comunidades” da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro — UNIRIO. O programa que nasceu em 2011 visa agir como uma ponte para a prática artística e pedagógica entre os licenciandos da Escola de Teatro da UNIRIO e moradores de comunidades cariocas como a Nova Holanda, no Complexo da Maré, Ramos e também da Penha. Com os encontros totalmente ministrados pelos estudantes de licenciatura em teatro, que acontecem regularmente aos sábados, o “Teatro em Comunidades” e suas parcerias criam uma conexão fundamental e valiosa entre a arte na comunidade e a universidade pública.
Mesmo antes de se tornar professora, Marina já trabalhava em diversos circuitos de projetos sociais nas favelas do Rio de Janeiro e sempre esteve interessada na relação entre pedagogia, teatro e a juventude nas comunidades. Acredita que o programa de extensão se encaixa perfeitamente no contexto de abertura da universidade para a juventude periférica, ao mesmo tempo que também faz o teatro acessar esses espaços que, por conta da elitização da arte, acabam ficando afastados da realidade nas comunidades. “Entender que o teatro pode ser praticado por todas as pessoas, é algo fundamental do nosso trabalho. Todo mundo pode fazer teatro, não só os atores”, comenta a docente.
Em quase 3 décadas trabalhando com jovens nas comunidades do Rio, Marina pensa que o resultado de todo o trabalho é uma verdadeira troca de conhecimento, um verdadeiro aprendizado vindo de todos os envolvidos. Lembra também da importância de quebrar o estigma que a favela recebe — que mantém a mesma sob uma redoma de perigo e violência — e estabelece-la como uma verdadeira potência de produção positiva: “Tudo de melhor que representa a cultura carioca, surgiu nas favelas. Há arte sendo produzida nesses espaços e temos diversos espaços, grupos e organizações que são exemplos disso”.
Marina Henriques Coutinho comenta sobre o poder de transformação do teatro sobre as pessoas:
Elymara Cardoso foi aluna do programa “Teatro em Comunidades” e hoje é licenciada como professora em atuação cênica pela UNIRIO. A atriz considera o programa como uma grande porta para diversas possibilidades e, visto a experiência como aluna e professora no projeto, hoje entende como o mesmo é capaz de influenciar e participar da formação do indivíduo na sociedade: “Ainda como aluna, eu pude aprofundar o meu pensamento crítico a respeito de muitos temas…o programa me impulsionou a ir além nos estudos, até que acabei ingressando na universidade.”
“Eu, enquanto mulher preta, tenho resistido. Como educadora e artista, tenho resistido. E as turmas de teatro nas comunidades, têm resistido.”
– Elymara Cardoso
O teatro comunitário tem um papel indispensável na valorização das narrativas e na afetuosidade para com os moradores das favelas do Rio de Janeiro. Elymara acredita no poder do teatro como um verdadeiro agente transformador, que cria um leque de oportunidades e esperança por onde passa. “O teatro nos faz enxergar novos horizontes”, diz a atriz.
Rafael Peixoto também trabalha como ator e professor de teatro do município do Rio de Janeiro. É dono da companhia Milton Gonçalves, que nada mais é do que a formalização do trabalho antiracista que o professor sempre reproduziu nas aulas ministradas por ele na Escola Municipal Rodrigo Otávio, na Ilha do Governador. O professor acredita que muitos dos seus alunos não têm acesso à básicos aparelhos de cultura e tenta reverter isso com as propostas da companhia durante as aulas: “Trabalhar com essa arte dentro da escola é fazer com que eles, não só se tornem espectadores, como também experimentem e tenham uma vivência teatral”, explica Rafael.
“A arte dá a oportunidade para o aluno entender que é possível sonhar”
– Rafael Peixoto
O teatro é uma arte universal que consegue oferecer a representação de reflexões capazes de transformar a vida de todos que o receberem de braços abertos. É fundamental seguir com a luta para o acesso à arte e cultura nas comunidades e combater o preconceito que a mesma recebe de uma sociedade que escolhe por estigmatizá-la tão negativamente. A arte é o verdadeiro conforto e a gota de esperança para várias pessoas que se encontram presas a uma realidade que muitas vezes não encontra dificuldade alguma em ser cruel.
Bruno Barros – 2° período
Foto de capa tirada do site Teatro em Comunidades