Os segredos de um homem que seguia ordens

Beth Formaggini assina Direção, Roteiro, Produção de Pastor Cláudio, documentário que traz um recorte das ações de um homem envolvido diretamente com o período da Ditadura Militar no Brasil. Inspirada pelo livro “Memórias de uma Guerra Suja”, de Rogério Medeiros e Marcello Neto, com depoimentos de Cláudio Guerra, ex-delegado do DOPS e Eduardo Passos – Psicólogo e Ativista dos Direitos Humanos.
O encontro desses dois personagens revela ao espectador depoimentos e confissões de Pastor Cláudio, representante da mencionada “Linha Dura” da Ditadura. Ao longo do filme, temas como a “Operação Radar (1973-1976)”, o envolvimento dos militares na morte de “Zuzu Angel” e atentados à bombas, como o do Rio Centro e à sede da OAB, são abordados.
Pastor Cláudio, como prefere ser chamado, é uma personagem oscilante que varia momentos de “memória preguiçosa”, como ele mesmo descreve, com alto grau de lucidez e detalhes, tudo relatado sem aparente remorso e com frieza, embora o documentário apresente um homem que se diz arrependido do que fez.
A mescla entre cenário e personagem resulta num confessionário. Cláudio Guerra, com a bíblia na mão, conta por mais de uma hora sobre como executou e incinerou presos políticos e revela como tudo era feito de modo a não deixar rastros ou pontas soltas. Em dado momento, um painel com várias fotos de presos políticos é apresentado. Esquecido de muitos nomes (que afirma estarem no livro), Pastor Cláudio lembra com detalhe o destino dos corpos.
“Eu não fazia aquilo por bandeira de lá ou de cá, fazia por lealdade, porque seguia ordens.”
Cláudio Guerra.
A linguagem proposta por Beth Formaggini, reforçada pelo trabalho de Cleisson Vidal como Diretor de Fotografia, merece destaque. O jogo de luz e sombra é presente o tempo todo e caracteriza o filme com uma estética Expressionista do cinema alemão dos anos 20, à lá “Gabinete do Dr. Caligari”, de Robert Wiene, entre outros. Soma-se a isso os momentos de silêncio e quadros enclausurantes que nos fornecem alguns segundos para reflexão da barbárie.
Ao longo de sua duração, o filme ganha um tom que beira o panfletário e perde a força que carrega durante a metade inicial. A diretora, juntamente à Eduardo Passos, insiste, a partir da segunda metade, em levantar uma bandeira e colocar um ponto de vista muito claro, onde a esquerda, o PCB e os comunistas executados ou incinerados por Pastor Cláudio são os inocentes, e o próprio Pastor Cláudio, os militares, a polícia, os empresários e a direita são os vilões.
Com mais acertos do que erros, Pastor Cláudio é um bom documentário que traz consigo memórias únicas em primeira pessoa de uma época repugnante da história do país. O mesmo, diga-se, foi perdoado pela Lei da Anistia de 1979 e nunca foi julgado.
Kadu Zargalio – 3º Período | Produção Audiovisual