“Somos todos criaturas de Deus escondidas no escuro”. Essa é uma fala presente em “Criaturas do Senhor” que consegue descrever bem o que os personagens representam nesse novo drama dirigido pela dupla Anna Rose Holmer e Saela Davis. Uma história sobre vidas opacas e apagadas, que debate o valor da justiça e descobre como a reclusão transforma realidades inteiras em puro esquecimento e desprezo. O filme traz de volta às telas, Paul Mescal, dividindo o protagonismo com a veterana experiente, Emily Watson.

Foto: Divulgação
Depois de um longo e incógnito período na Austrália, Brian O’Hara (Paul Mescal) retorna à terra natal na Irlanda, a fim de se reconectar com a família e voltar a participar da rotina opaca que a cidade pequena tem a oferecer, onde todos se conhecem e são varridos pelo mesmo odor de peixe presente nos ventos da vila de pescadores. Aileen O’Hara (Emily Watson) tem o próprio senso de certo e errado afetado quando decide criar uma mentira para proteger o filho em um caso que repercute rapidamente e divide opiniões entre os moradores da região.
“Criaturas do Senhor” é escuro, e tal denominação pode referir-se tanto às escolhas de fotografia, quanto para as temáticas tratadas na trama. O filme é construído para ter uma atmosfera sombria, mesmo sendo um drama familiar. Por isso, as passagens são cortes que exploram os cantos mais característicos do norte irlandês — que lembra bastante a ambientação de “Os Banshees de Inisherin” de Martin McDonagh, só que sem a luz do sol — e a construção de um tom que simpatiza com o suspense por meio da trilha sonora, transformam a abordagem sobre amor, justiça e confiança em algo bem diferente de outras produções.
Mesmo assim, ainda é um filme que demora bastante para acontecer. Até a chegada do principal evento e clímax da história, tudo o que antecede são cortes de uma rotina repetitiva nas fábricas onde a família trabalha, que tentam mostrar — de maneira muito discreta, quase até misteriosa — as crises que os personagens enfrentaram no passado e que contribuíram para a inquietude que eles sentem vivendo o silêncio da própria casa. É uma maneira de mostrar que a falta de comunicação entre os personagens é o causador de quase todas as situações que são agravadas durante o filme.
À essa altura, todo mundo já conhece a potência da performance de Paul Mescal, que recebeu indicações para Melhor Ator pelo seu papel em “Aftersun”, e aqui também repete um ótimo desempenho. Constrói um personagem carismático e adorado pela maioria dos moradores da vila, mas que ao mesmo tempo quebra qualquer confiança do público por também possuir um desconhecido inquietante ocupando todas as motivações do seu retorno repentino.
É uma história com um potencial incrível, mas que deixa uma sensação de que algo foi bastante desperdiçado. É inevitável não se imaginar na mesma situação que a personagem principal e refletir sobre o poder das escolhas e como o resultado das mesmas podem afetar tão drasticamente uma realidade que antes era livre de qualquer inconsistência. Lento e insuficiente, mas que pode ser considerado uma experiência descartável. “Criaturas do Senhor” é distribuído pela California Filmes e estreia no dia 13 de abril nos cinemas. Assista ao trailler:
Bruno Barros – 3° período