A atuação transformadora da Casa impacta a vida do grupo social
No território da Maré, um muro amarelo se destaca do cenário ao redor. Pertence à Casa Resistências Maré, o primeiro espaço latinoamericano para acolher especificamente mulheres, lésbicas, pretas, e faveladas em situação de violência lesbofóbica. Inaugurado em 02 de abril, na Vila dos Pinheiros, Zona Norte do Rio de Janeiro, a cor vibrante de suas paredes anunciam também o seu intuito: ser um espaço de alegria, força, cultura e afago que resiste, coletivamente, às diversas opressões que atravessam os corpos e protagonismos dessas mulheres.
A ideia veio da Dayana Gusmão, Assistente Social, Fundadora e Coordenadora da Casa Resistências, e que também é mulher lésbica moradora do Complexo da Maré. Ela relata o cunho revolucionário e inovador por trás da iniciativa. “No futuro, ao falarem de nós, nunca poderão ignorar esse feito. Acreditamos que se o ódio é cultural, o único caminho para desmontá-lo é interferindo na cultura. Por isso, fundamos a casa sob a égide da cultura favelada”, conta.
As lutas, os direitos negados e as constantes tentativas de silenciamento perpassam cada rota e experiência de uma mulher lésbica da favela de maneira única. “Gosto de desviar da história única sobre um grupo social. Portanto, vou começar dizendo das belezas das resistências do movimento sapatão favelado, porque entendo que viver é a melhor forma de luta”, relata Dayana.
Enquanto resgatam a alegria e a vida de seus corpos, essas mulheres também denunciam as bruscas relações de poder e agressão que as perseguem, de forma interseccionada. São atravessadas por violências do Estado, omisso e armado, e da sociedade patriarcal, repleta de preconceitos e desigualdades. “Ser lésbica na favela é somar um caldeirão de riscos. É ser mulher, negra, pobre e viver em território alvo de necropolítica ostensiva. Crescer numa das maiores favelas do Rio de Janeiro não é fácil”, informa a fundadora.
Em 2019, Dayana realizou uma parceria com o curso de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) para o primeiro Mapeamento Sociocultural e Afetivo de Lésbicas e Mulheres Bissexuais da Maré. O projeto mostrou que a maior parte das mulheres alcançadas eram jovens, negras, viviam com suas famílias e nunca haviam sofrido violência lesbofóbica nas ruas da Maré: quando as viveram, foi dentro de casa, tendo essa violência impetrada por familiares. A realidade das lésbicas da Maré é atravessada pelo avanço das forças religiosas protestantes que cresceram nos últimos dez anos na favela. Em geral, violências alimentadas pelo discurso religioso cristão.
O preconceito impede o acesso aos direitos na prática. Apesar da demanda existente e do reconhecimento da homoafetividade expresso na Lei Maria da Penha, ela ainda é pouco aplicada para garantir os direitos de mulheres lésbicas, bis e transexuais. Os dados da Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180, mostram que em 2013, por exemplo, entre todas as chamadas atendidas, as referentes a relacionamentos homoafetivos não chegaram a 1% dos casos registrados. “A Lei Maria da Penha não deixa lacunas, ela é muito expressa neste sentido, mas há todo um preconceito muito severo associado a uma omissão legislativa muito grande”, cita Maria Berenice Dias, advogada, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e desembargadora aposentada.
A potência do espaço reside tanto na sua função social de acolher, criar redes, apoiar a geração de renda e de cultura para com essas mulheres violadas, como também no seu potencial de cura e fortalecimento emocional. Por isso, o lugar precisava de uma identidade. Floresta Maré é o nome da parceria com o Floresta Cidade, projeto de extensão da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que modelou os aspectos funcionais, poéticos e políticos do ambiente.
Iazana Guizzo, Arquiteta e professora Coordenadora da ação, reafirma a necessidade de atuar coletivamente no Brasil, onde a maioria da população precisa de assistência de alguma natureza, e, sobretudo, com populações tão interseccionadas como essa: mulher, favelada, negra, lésbica. “Há uma série de recortes que fazem com que essa população seja muito vulnerável. E quando Dayana convidou o Floresta para fazer parte disso, a gente aceitou na hora contribuir com essa pauta, até porque a gente entende que a pauta do Floresta é a pauta de todos que de alguma maneira estão oprimidos dentro desse sistema”, conclui.
Iazana explica como o projeto do Floresta Maré é pensado a partir do “habitar”.
Bernardo Curvello – 3º período
Tatiana Uchôa – 3º período