Grupo Só Vamos distribui agasalhos e outros itens para amenizar efeito das baixas temperaturas
No Brasil, o cenário atual conta com o registro de mais de 221 mil pessoas em situação de rua. O problema foi acentuado pela recessão econômica e as altas taxas de desemprego causadas pela pandemia de covid-19. Foi nesse contexto que uma rede de solidariedade surgiu: o projeto Só Vamos. Inicialmente, a organização promovia a distribuição de refeições, materiais básicos de higiene e água mineral para a população de rua. Hoje, o grupo conta com a arrecadação de cobertores para aquecer pessoas sem-teto.
Na estação mais fria do ano, a condição das pessoas em situação de rua se agrava e a dificuldade para se manterem aquecidos aumenta ainda mais. De acordo com o Movimento Estadual dos Moradores em Situação de Rua, sete pessoas morreram de frio na cidade de São Paulo na madrugada do dia 30 de junho após os termômetros marcarem 6°C e registrarem a madrugada mais fria dos últimos cinco anos. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o estado tem o maior número de pessoas na rua: ao todo 24.344 pessoas sofrem com a falta de moradia.

A população de rua é um grupo heterogêneo, composto por pessoas de diferentes realidades e origens, mas que têm em comum a pobreza extrema. Para Michele Cristina de Lima da Conceição, coordenadora do projeto Só Vamos, a inserção social só pode ser concebida através do conhecimento das necessidades dessas pessoas: “Estar junto ao público nos faz reorganizar constantemente estratégias e, sem dúvidas, enxergar mais além nas questões sociais que precisamos dar voz’’, diz Michele.

Michele acredita que o problema da moradia só será enfrentado se houver amplo debate sobre o tema, a fim de quebrar noções problemáticas acerca do esforço individual: “Existe uma visão estereotipada da população em situação de rua, muitos resumem ao ‘Se esforça que dá’”, acrescentou a voluntária. Além do debate no âmbito social, é válido ressaltar a importância de cobrar do poder público soluções e políticas públicas que garantam o cumprimento da lei maior do país.
O médico Mateus Romagnoli, 27, participa semanalmente de ações voluntárias com os colegas de trabalho para distribuição de alimentos e agasalhos nas ruas de São Paulo. De acordo com ele, é muito importante que a doação não seja apenas material: “Procuro focar em estar ali pra fazer um pouco melhor o dia deles , seja levando alimentos, uma boa conversa, agasalhos e amor”, afirma o jovem.
Sem moradia, pessoas em situação de rua acabam por se sentir desamparadas e invisíveis, por conta da exclusão de padrões de convivência social, como casa e trabalho. Por isso, é fundamental que ações solidárias individuais e coletivas levantem o debate acerca dos que se sentem periféricos à vida nas cidades, principalmente quando o cenário é agravado pelo frio. Para Mateus, há diferentes formas de ajudar essa população: “Eu acho que a mais simples e inicial é reconhecer que existem pessoas nessas situação e ir conhecer e ouvi-las, entender suas histórias e suas demandas”, avalia o médico.
Debater saídas para os problemas oriundos de uma profunda desigualdade social torna-se essencial para cumprir o que assegura a Constituição Federal Brasileira de 1988. Na atual conjuntura em que as taxas de desemprego batem recordes, o Doutor em Urbanismo e Arquitetura e professor da UVA, Carlos Eduardo Nunes-Ferreira, ressalta que é necessário que haja um combate à desigualdade: “A questão da população em situação de rua deve ser colocada como prioridade por motivos humanitários, do direito à cidade e à cidadania plena”, explica o docente.
A desigualdade é também um problema do urbanismo. Desde a demolição dos cortiços, o problema urbanístico fomenta desigualdades e desafios socioeconômicos do Rio de Janeiro há mais de um século: “Estimular o uso residencial ou misto no centro da cidade, onde está a maior oferta de empregos, já ajudaria bastante. Na renda dos mais pobres, o transporte também entra na conta, podendo comprometer de 10% a 30% do salário apenas para chegar ao local de trabalho”, afirma o urbanista.
Segundo o Censo de 2010, há cerca de 6 milhões de imóveis vagos no país. Essas propriedades espalhadas pelo Brasil podem ser usadas para prover moradia social para os sem teto e evitar mortes durante o inverno, como as que aconteceram em São Paulo no dia 30 de junho. Para Carlos Eduardo, o cumprimento do Estatuto da Cidade para prover moradia social é a saída mais rápida e justa. “Este é o caminho mais rápido, justo e democrático porquanto está previsto tanto na Constituição de 1988 quanto no Estatuto da Cidade’’, diz o Doutor.
A política habitacional é parte da política urbana, no sentido de que não se restringe somente ao provimento da casa, mas implica ações mais amplas relacionadas ao planejamento, à construção e ao funcionamento da cidade como um todo. Iniciativas como o projeto Só Vamos colaboram com a atenuação de uma sociedade desigual nesse inverno e em todas as estações do ano.
Artur Lavinas – 3° período
Duda Bortoloto – 3° período