Um ano de adaptação e saudade

Como a pandemia modificou o convívio social, o trabalho, o estudo e a mente dos brasileiros

O primeiro contato do Brasil com a pandemia da Covid-19 ocorreu em fevereiro de 2020, com o primeiro registro de contaminação no país por um homem de 61 anos que havia viajado para Itália. Contudo, foi somente em 16 de março, com a notificação da primeira morte por coronavírus no país, que São Paulo decretou situação de emergência e implementou a quarenta no estado, tendo o Rio de Janeiro feito o mesmo em 17 de março.

Não demorou para outras regiões também aplicarem regras de isolamento social. Aulas da rede pública e privada foram suspensas, eventos foram cancelados, houve restrições no funcionamento de estabelecimentos comerciais e academias foram fechadas. As medidas foram decretadas com o intuito de parar o nível de contágio do coronavírus que crescia sem precedentes.

A terça-feira (16/03), marca um ano em que os brasileiros lidam com as consequências que o vírus invisível trouxe. Os encontros entre familiares precisaram ser evitados, as relações sociais foram modificadas, os alunos tiveram que se adaptar a uma nova modalidade de ensino, a virtualizada, e as festas comemorativas tiveram que se adaptar a este “novo normal”. Com mais de 270 mil mortes por coronavírus e com o crescimento exponencial de casos no Brasil nos últimos meses, esse novo normal não planeja ir embora tão cedo.

A maratona entre cuidar dos filhos e trabalhar em casa

Acordar, dar aula para uma turma de 3º ano do ensino fundamental ao mesmo tempo em que cuida de duas filhas pequenas, respirar, dormir. Essa foi por quase um ano a rotina de Daniele Falcão, de 30 anos, que precisou trabalhar em casa desde que a quarentena foi implementada no Rio de Janeiro.

Ela conta que no início foi bastante difícil, pois a escola dava horários aleatórios. Além disso, Daniele dava aula à tarde, no mesmo horário em que a filha de sete anos tinha aula. “Eu ficava no computador e ela assistia no celular, ou vice-versa, mas ela não conseguia estudar sozinha, eu precisava estar sempre próxima dela”, explica.

Para tentar resolver um pouco a situação, Daniele passou a dar aula na parte da manhã. Foi aí que ela encontrou outro obstáculo, os cuidados com a filha mais nova, que na época iria completar um ano de idade, como ela comenta no vídeo abaixo:

Daniele diz ainda que logo no começo da quarentena sentiu os sintomas do coronavírus e logo depois teve a confirmação que estava contaminada. Ela precisou se isolar por 15 dias das filhas e mal conseguia trabalhar sem sentir muito cansaço.

“Quando eu descobri foi muito difícil, porque ficar 15 dias longe das minhas filhas pegou muito para mim. Por mais que eu tivesse ajuda para eu conseguir trabalhar… Nossa, foi muito intenso”.

Daniele Falcão
Daniele Falcão ressalta a dificuldade de privar as filhas pequenas do convívio social durante a pandemia (Foto: Arquivo Pessoal)

Hoje, um ano depois, Daniele não trabalha mais como professora de escola particular. “Eu fui desligada em janeiro de 2021 por falta de aluno e adesão dos pais, principalmente nas séries iniciais como o maternal e o fundamental”, explica. Daniele atua agora como autônoma, fazendo a unha para clientes em casa, até que o ambiente escolar melhore e ela possa retornar ao emprego.

Aniversários, casamentos e pandemia

Datas comemorativas foram diretamente afetadas pelo isolamento social e pela restrição de aglomeração. Foi o caso da Laura, filha da Daniele citada acima, que completou um ano de idade em 2020. Daniele precisou cancelar todos os planos que tinha por conta do coronavírus. “Eu fiquei de coração apertado. Estava tudo certo, tudo alugado, e não aconteceu”.

A família optou por não fazer já que seria logo no início da quarentena, com o fechamento de todos os salões de festas. “Acabei transferindo a festa dela para o final do ano de 2020, em novembro, junto com o aniversário da minha filha mais velha, que foi algo bem familiar dentro do nosso prédio”, comenta.

Assim como os aniversários, os casamentos precisaram se adaptar. Marcelle Couto, de 22 anos, projetava o matrimônio desde o início de 2019. “A pandemia afetou o nosso lado financeiro, porque eu fiquei desempregada, assim como os meus pais. Então nós tivemos que mudar os planos para um casamento apenas no civil”. Ela conta que agradece muitos aos amigos por terem ajudado e, com isso, possibilitado que a celebração de fato acontecesse.

Marcelle relata que tanto a cerimônia quanto a festa foram em um mesmo salão, com no máximo 60 convidados, apesar do casal ter chamado 100 pessoas, número restrito por conta da pandemia. Além disso, todos estavam utilizando máscaras e houve distanciamento social, já que o ambiente tinha capacidade de suportar até 300 pessoas.

“Não foi como eu sonhei, mas foi perfeito”

Marcelle Couto

Ouça no áudio abaixo como Marcelle se sentiu ao se casar em meio a uma pandemia

Um ano de saudade e isolamento dos familiares

Com a implementação da quarentena e as medidas de isolamento social, filhos e netos se viram na necessidade de se afastarem das pessoas mais idosas da família. Como foi informado pela Organização Mundial da Saúde e em estudos publicados no British Medical Journal (BMJ), idosos e portadores de doenças crônicas, como a diabetes e a hipertensão, são classificados como grupo de risco do coronavírus.

“A pior coisa foi a maneira inesperada como as pessoas foram afastadas. E a gente não imaginava que duraria tanto tempo o lockdown. Então não teve despedida, uma preparação para isso. Foi bem complicado e dolorido.”

Carlos Dias Ramiro

Carlos Dias Ramiro, de 23 anos, morava há quase 5 anos com os avós por conta do apartamento ser mais próximo da faculdade que a casa dos pais, mas teve que se afastar dos avós por amor. “Você se acostuma com as coisas que eles fazem e é aquilo né, avô é mais tranquilo, mais divertido”, brinca o estudante ao lembrar dos anos de pré-pandemia.

Antes da pandemia, Carlos Ramiro e o irmão Matheus saiam frequentemente com os avós (Foto: Arquivo Pessoal)

Ele diz que sente saudade de estar com o avô, ressaltando a idade e o medo de estar perdendo o pouco tempo que resta com ele. Apesar disso, Carlos acredita que o isolamento dos avós foi a melhor decisão: “Não tínhamos como saber o que iria acontecer, como estava o contágio e eu continuei trabalhando presencialmente depois de um tempo”.

Carlos desabafa no áudio como o seu avô foi afetado psicologicamente pela pandemia e o distanciamento dos netos. Ouça:

A educação à distância para os universitários

Dados apresentados pela UNESCO mostram que, no Brasil, 81,9% dos alunos da Educação Básica deixaram de frequentar as instituições de ensino durante a pandemia. Essa porcentagem corresponde a cerca de 39 milhões de pessoas. O ensino à distância foi requerido ao redor do país como forma de evitar a aglomeração presencial e foi uma alternativa para que o ensino não parasse, inclusive o superior.

As universidades públicas do Rio de Janeiro não começaram as aulas no formato online logo de cara. Como explica a aluna de letras-literatura, Beatriz Amaral, de 23 anos, a faculdade somente retornou após terem estruturado um planejamento para suportar essa demanda de ensino online, o que aconteceu somente em agosto. “Quando nós voltamos, fizemos o que eles chamaram de PLE, que foi um período de emergência, meio que extra para quem dependia de algumas matérias para se formar”, conta.

Beatriz só retornou aos estudos do período interrompido em novembro de 2020, que durou até o início de março de 2021. Para a universitária, a experiência foi boa e tranquila, mas o que pesou mais foi a organização e disciplina por parte dela. Assista ao vídeo abaixo em que Beatriz conta como foi esse momento de adaptação:

Antes da pandemia, Isis Sant’Anna, de 22 anos, levava cerca de 50 minutos para chegar à universidade particular onde ela estuda jornalismo. Sem contar o tempo perdido esperando o transporte público. Com a implementação das aulas virtualizadas ela sente que tudo ficou mais fácil. “No início da pandemia eu estava trabalhando presencialmente e precisava sair de casa 11 horas. Então antes eu tinha que largar a aula no meio e eu não conseguia aproveitar muita coisa”, comenta.

Com o ensino remoto, Isis ressalta que tem a oportunidade de recuperar o conteúdo, assim como assistir as gravações das aulas. Outro benefício do ensino à distância, apontado por Isis no áudio abaixo, é a proximidade que ele permite que o aluno tenha com o professor. Ouça essa e outras vantagens apresentadas por ela:

O impacto psicológico dessa pandemia

A pesquisa do Ministério da Saúde, realizada entre abril e maio de 2020, com o intuito de reunir informações sobre a saúde mental dos brasileiros em meio a pandemia, percebeu uma elevada proporção de 86,5% de ansiedade nos entrevistados. Além disso, 45,5% apresentaram um transtorno de estresse pós-traumático. Em relação à depressão, se mostrou presente em apenas 16% dos entrevistados. O estudo foi realizado com mais de 17 mil pessoas, entre 18 a 92 anos.

A psicóloga Ana Raquel Neris ressalta que a pandemia afetou as relações sociais devido ao isolamento e consequentemente gerou um impacto na saúde das pessoas, tanto física, quanto mental. “O ser humano é um ser que vive em comunidade e precisa do contato do outro”, explica. Para Ana Raquel, os efeitos psicológicos na pandemia ainda são recentes para afirmar que os brasileiros desenvolveram transtornos psíquicos durante esse período, já que o diagnóstico de cada paciente depende da persistência dos sintomas.

Estudos apontam que pessoas infectadas pelo coronavírus, que tiveram leves e graves sintomas, apresentaram disfunções cognitivas no pós-covid. De acordo com a pesquisa realizada pelo Instituto do Coração (InCor), do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), em relação a esse tema, 80% dos pacientes manifestaram perda de memória, dificuldade de concentração, problemas de compreensão ou certo nível de confusão. A análise aconteceu com 185 pacientes, entre março e setembro de 2020.

Ana Helise Abreu, de 23 anos, percebeu que não estava bem e que precisava buscar auxílio psicológico na pandemia, em novembro do ano passado, quando a estudante de engenharia florestal foi às ruas para a votação de prefeito e vereador do Rio de Janeiro. “Eu cheguei na escola para votar e tinha uma aglomeração de muitas pessoas sem máscara. Ao bater o olho na situação eu virei para a minha mãe e falei ‘eu não quero ir’. Eu não conseguia respirar direito e fiquei com muita vontade de chorar”, relata.

A universitária conta também que ficou andando em círculos na calçada em frente à escola, se perguntando “eu vou ou não vou?”. Depois de alguns minutos tentando se acalmar, Ana enfim conseguiu entrar na fila da votação, mas ainda assim se sentiu muito nervosa quando uma pessoa no local tentou puxar conversa com ela. “Chegando em casa eu joguei álcool em mim, por conta da falta d’água no bairro na época, e tomei banho assim que pude”, destaca.

Essa situação ocorreu novamente em janeiro, quando Ana decidiu ir à praia com o pai, em Paraty. Depois desse episódio a estudante entrou em contato com uma psicóloga para buscar ajuda. Assista o seu relato abaixo:

Ana Raquel ressalta a importância de buscar o apoio psicológico assim que perceber alterações de humor muito intensas ou sentir que esses sentimentos estão afetando o corpo, como por exemplo não conseguir respirar direito. No vídeo abaixo, Ana ensina duas técnicas de respiração que podem ajudar no momento de crise de ansiedade e pânico. Assista:

Um ano do isolamento social no Brasil e a vacina contra o coronavírus é a esperança dos brasileiros para que este cenário termine. Números levantados pelo consórcio de veículos de imprensa mostram que o país vacinou 4,5% da população, o que equivale a mais de 9 milhões de pessoas que tomaram pelo menos uma dose da vacina. O saldo e os aprendizados desse período é algo pessoal, mas que marcou a vida de todos.

Ana Fernandes – 7º período

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