A ligação com o futebol vai muito além do esporte e para muitas pessoas é uma extensão cultural do trabalho e reflete diferentes tipos de contribuição para a sociedade brasileira 

O futebol está quase onipresente no cotidiano, é discutido nas calçadas dos bairros, nos bares, no intervalo do trabalho e está mais do que estabelecido como uma paixão nacional, ao perdurar no imaginário brasileiro mesmo com grandes modificações sociológicas, antropológicas e históricas dentro da realidade brasileira. O impacto cultural se faz presente também em práticas culturais como a literatura, cinema e artes plásticas.

De acordo com o portal de informações geográficas WorldAtlas, o futebol é o esporte mais popular do mundo com 3.5 bilhões de fãs concentrados principalmente em quatro continentes, As Américas, a África, Europa e Ásia. 

No Brasil, os campeonatos movimentam muitas pessoas dentro e fora dos estádios, de acordo com levantamentos da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a média de público nos estádios até o dia 22/05 foi de 24.143 pouco atrás do levantamento de 2024 que correspondeu a 25.810, o alto índice de pessoas para um campeonato tão longo e diverso demonstra a popularidade do esporte.

O interesse pelo futebol não se restringe apenas nos estádios e no âmbito do lazer. Um exemplo disso é Anderson Santos, Pesquisador e Professor da Universidade Federal do Alagoas (UFAL), ele conta que a paixão desde criança pelo futebol o motivou a se tornar jornalista e acabou enveredando para o ramo da pesquisa e hoje se dedica a uma série de trabalhos e estudos relacionados ao futebol. 

“Com o tempo, a vida me encaminhou para a pesquisa e, num momento de escolha de tema para seleção de mestrado em 2010, escolhi estudar a transmissão de futebol. Foi uma das melhores decisões da minha vida. Estudar e trabalhar com o que se ama é muito bom – contradições do esporte à parte. Já são 15 anos realizando projetos de pesquisa e textos sobre futebol”, elabora Anderson.

A paixão logo se torna um caminho para algo maior Identificar a prática futebol que vai desde à experiência como torcedor, como o estudo de mídias e a produção de conteúdos investigar os impactos do capitalismo e à disparidades econômicas e midiáticas que moldam diferentes relações sociais entre clubes, torcedores. Sobre esse estudo, Anderson enxerga a importância do diálogo crítico com conterrâneos e finaliza a fala com uma provocação. “Em relação às disparidades regionais, isso veio pela experiência de torcedor de um clube alagoano que chegou à Série A e foi tratado de forma diferente em vários momentos. Mas também  em contato com outros colegas do Nordeste no podcast Baião de Dois e na Rede Nordestina de Estudos em Mídia e Esportes (ReNEme). Se eu, enquanto pesquisador de local periférico, não produzir pesquisas e artigos sobre o tema, quem poderia fazer isso na comodidade de locais centrais do país?”,disse. 

Leandro Luz, jornalista, podcaster e roteirista teve um envolvimento recente com o futebol ao ser roteirista e produtor do longa-metragem documental “Itaperuna Esporte Clube – A Águia do Noroeste, o filme foi o grande vencedor da 15ª edição do festival CINEfoot, o primeiro festival exclusivamente dedicado ao futebol na América Latina, ocorrido no último mês de maio de 2025.

Leandro relata que tem uma grande relação com o futebol como espectador, tanto de ficção como documentários que se relacionam com o esporte, entretanto ao realizar um filme, viu essa conexão estar muito ampliada e se impressionou com o alcance da história tanto durante a realização, quando depois de o filme ter sido exibido.

 “Futebol é um negócio que mexe muito com as pessoas, com os seus valores, sentimentos, lembranças. É muito poderoso. Percebi isso tanto fazendo o filme, no set, durante o contato mais próximo com as pessoas que fizeram a história do clube, os jogadores e tal, mas também na exibição. Após a sessão que fizemos no CINEfoot, por exemplo, muitas pessoas vieram falar comigo sobre as suas experiências com o filme. Gente que eu não conhecia, que estava lá como público mesmo. É impressionante a maneira como as pessoas conseguem se relacionar com o filme, mesmo sem ter qualquer relação com o Itaperuna, por exemplo. É um troço quase inexplicável, mágico mesmo”, diz Leandro

Ele conta que o projeto foi desenvolvido por Manoel Magalhães e Bruno Vouzella, duas pessoas nascidas e criadas na cidade do noroeste fluminense e vivenciaram toda a ascensão e euforia sobre a ascensão do Itaperuna Esporte Clube entre 1980 e 1990. Leandro entra no projeto a pedido de Manoel e juntos mergulham no projeto que foi pensado e repensado durante toda a trajetória de execução com uma equipe reduzida e divida entre moradores do Rio de Janeiro de Itaperuna.

“A gente acabou acumulando funções e tendo que se concentrar muito para fazer tudo bem feito com as oportunidades que a gente tinha. Ainda assim, esse problema acabou sendo uma solução também, porque com o orçamento que tínhamos e com as viagens que precisávamos fazer para rodar o filme não dava mesmo pra levar muita gente. O contato com as pessoas que queríamos entrevistar foi feito pelo Roberto, um dos produtores do filme que mora em Itaperuna. O nosso fotógrafo também é da cidade, então isso facilitou bastante as coisas”, afirma Leandro.

Sobre a realidade do projeto, Leandro pondera que apesar de seguir um formato bem tradicional de documentário que combina imagens de arquivo e entrevistas para contar a ascensão e declínio do Itaperuna Esporte Clube, mas que o filme não tinha a intenção de ser um grande resumo do clube e dos jogadores, mas sim um reflexo da própria cidade e as pessoas que vivem nela, que construíram suas famílias ali, que enxergam o futebol hoje como um hobby, ainda que o esporte tenha sido um dos aspectos mais importantes da vida deles.

 “Então o roteiro foi pensado muito no sentido de ampliar esse olhar em torno de uma experiência muito local para algo que diz respeito a muitas pessoas, trazer à tona questões que se comunicam com muita gente. A montagem do Bruno também foi fundamental para isso porque conectou as ideias e as muitas histórias trágicas, felizes e engraçadas que o filme traz. Um trabalho artesanal mesmo, que só poderia ter sido feito dessa maneira (baixo orçamento, prazos apertados etc.) com essas pessoas envolvidas”, diz Leandro.

Para o empresário Luís Quedinho, o olhar crítico e a paixão pelo futebol o levaram para outro caminho: virar  um dos principais colecionadores de camisas da marca Adidas do Brasil, com quase 300 camisas. A relação dele com o esporte começa no final da década de 70, em Del Castilho, Zona Norte do Rio de Janeiro, em que começa a desenvolver um olhar para o futebol ao jogar com amigos e ser ter acesso a Revista Placar da Editora Abril.Ele conta que nenhuma camisa chamava atenção, até que em um jogo e um presente do pai do pai muda tudo. 

“Já observava sempre os modelos dos clubes e não achava nada interessante. A minha paixão com as camisas começou na Copa de 1978, na Argentina, quando passei a observar, que  das 16 seleções disputando aquele mundial, 12 usavam a marca Adidas. Quando vejo a seleção brasileira jogando contra a Suécia, aconteceu ali, uma grande admiração da marca alemã.  A qualidade vista, mesmo pela Televisão em 1978, já dava pra notar o quanto era bacana o uniforme da seleção. No Brasil, a Adidas ainda estava engatinhando.  Em 1980, recebo de presente do meu pai, uma camisa Adidas do Flamengo. Exatamente ali, começa a paixão pela marca! Passo a colecionar com afinco, quando começo a trabalhar de fato a partir dos anos 2000”, revela Luís.

A coleção é exclusiva da marca esportiva alemã e abrange os anos de 1977 a 1992. Para Luis Quedinho esse foi o melhor período da empresa. Ele consegue as camisas pelos mais variados meios como brechós, colecionadores e até mesmo familiares de ex-jogadores. Hoje ele se orgulha de possuir camisas raras que testemunham acontecimentos históricos como a primeira camisa com patrocínio do Botafogo e a camisa da seleção brasileira do primeiro jogo da CBF em 1980 no Maracanã, usada por Toninho Cerezo.

Um aspecto importante para o  empresário é a conservação. Ele conta que em nenhuma possibilidade lava as camisas e guarda com carinho e atenção redobrada em um quarto apropriado e tem uma logística específica quando expõe as camisas em eventos. “Todas as camisas estão num quarto apropriado. Todas ensacadas e perfiladas em cabides e repousando em araras. A manutenção é sempre olhar, limpar o local, evitando o acúmulo de poeira e de vez em quando colocar para um banho de sol de 30 minutos. Não lavo em hipótese alguma essas camisas, pois, a maioria são camisas com mais de 45/48 anos e a técnica têxtil da época é totalmente diferente das de hoje em dia.  As numerações das costas eram feitas com técnicas de silk e pó de tecido. Por isso, a conservação é importante, então, prefiro não lavar. Na logística em eventos, são levadas em malas e dobradas dentro de sacos plásticos. São peças bacanas que merecem todo o carinho possível. Se faz sucesso nas exposições, é graças ao empenho e cuidado”, explica Luís

O empresário acredita que os colecionadores têm um papel central em manter acesa a chama, ou melhor, dentro dos campos da história. A página do acervo pode ser encontrada no Instagram na página “Charuto Futebol Clube” e abrange a marca Adidas que naquele período forneceu para 90% das camisas do futebol brasileiro.


“Meu acervo compreende a era pós Pelé, onde também grandes ídolos marcaram uma geração de altíssimo valor. Ter uma camisa usada pelo Zico,  Roberto Dinamite, Toninho Cerezo é simplesmente guardar um pedacinho da história do futebol brasileiro em minha casa. O futebol vive também do passado e a nova geração tem o dever de saber o que os grandes jogadores deixaram na história do esporte. A sociedade brasileira vive em transformação contínua em todos os sentidos, agora ajudar a preservar, visitar museus, entender a história é dever de fato, de todos nós! Viva o ESPORTE! Viva a CULTURA!”, declara Luís Quedinho.

O Futebol de botão, o lúdico e os botonistas

Uma prática muito difundida entre os apreciadores de futebol são as disputas e competições de futebol de mesa, o famoso futebol de botão. Há uma imprecisão de onde o esporte surgiu, com os indícios da prática em vários cantos, embora a Espanha tenha reivindicado a criação do Futebol de Botão nas primeiras décadas do Século XX.  O jogo teve variações, inicialmente era praticado em calçadas com o campo pintado à giz e foi mudando de lugar, até chegar em mesas de jantar e jogadores ficaram em pé.

No Brasil, o pioneiro e embaixador dessa prática foi o multiartista Geraldo Décourt, nascido em Campinas, São Paulo e radicado no Rio de Janeiro. O primeiro material usado por Décourt eram antigos botões de cueca, depois botões de calça e o nome do jogo foi alcunhado de “Footbal Celotex”, a popularização da prática acontece a partir de 1930 com a criação de livro de regras oficiais do jogo e ganha o gosto dos brasileiros.

O destaque é tanto que Décourt hoje não só é considerado por muitos como “papa” do futebol de mesa no Brasil, como ganhou do então governador de São Paulo, o atual vice-presidente da República Geraldo Alckmin, uma condecoração que institui na data de nascimento do artista, o dia do botonista na Lei Nº 10.833, de 2 de julho de 2001.

Hoje, são instituídas diferentes modalidades e respectivas regras que são incorporadas em modalidades competitivas, entre elas estão 1 Toque, 3 Toques e 12 Toques (onde as bolas são de fato esféricas), Dadinho (em que a bola é um cubo), Pastilha (em que estão distribuídas por 8 toques e a bola é de um material de pastilha)

Renato Oliveira, vice-presidente da Federação de Futebol de Mesa do Estado do Rio de Janeiro, conta que são 24 clubes associados na federações e acontece um de 20 eventos em 7 etapas que abrangem torneios individuais e coletivos. Ele conta que começou a jogar na modalidade dadinho desde 2014 e chegou ao cargo em 2021, depois de vencer uma eleição extraordinária junto à federação. Para ele, a relação da prática do futebol de botão com a cultura futebolística se dá pelo lúdico. “Eu acho que se dá pelo lúdico de transformar a realidade em uma grande brincadeira”, conclui.

Na realidade de Romulo Violanti, comunicador oficial da Federação de Futebol de Mesa do Estado do Rio de Janeiro (FEFUMERJ), o contato com a prática do futebol de botão começa para ele como uma brincadeira de criança em 1985 quando ganha a primeira mesa e primeiro incorporou brinquedos como playmobils e um ônibus de brinquedo que colocava ao lado da mesa como se estivesse transportando uma delegação, já os botões eram dos tipos amadores do tipo panelinha, um modelo rudimentar e mais frágil. Ao passar dos anos, maior contato e conhecimento de causa Romulo começa a sofisticar a brincadeira e passou a jogar mais ao descobrir outras pessoas que jogavam, e começou a adquirir botões de galalite, material plástico mais resistente e elaborado que já era comercializado em bancas, armazéns e papelarias.

“Ficava um mostruário de um tipo de botão, e dentro daquele modelo tinham várias cores, era muito legal e aí nisso eu comprava botões avulsos, botão de time completo, trocava o botão, apostava, levava o botão que o colega trocasse, uma época de uma infância muito doce, infância e início da minha pré-adolescência, nisso joguei de 1989 até 1994 efetivamente falando”, revela Romulo.

Ele conta que ao longo desse período voltou a jogar de forma intermitente entre 1996 e 2002, até que em 2008 a paixão retorna com tudo no quintal de Vó Naná e numa mesa de sinuca formada com giz com o amigo Júlio César. Ainda jogava a regra amadora (Toque Toque) que permitia tacadas sem qualquer restrição. Até que em 2011 passa a ter uma relação profissional com o futebol de mesa. “Em 2011, o que eu convidei um amigo para poder jogar em Bonsucesso e ele não gostava muito, mas me indicou um colega de trabalho que também jogava botão e essa pessoa me levou para jogar na regra oficial mesmo numa liga chamava “Liga Acadêmica de Futebol de mesa que funcionava em Del Castilho, foi meu primeiro contato com uma mesa oficial, contato com botões oficiais e nisso comecei a jogar a regra dadinho em nível oficial”

A Fefumerj possui uma categoria chamada retrô com botões em diâmetro menor, mas seguindo as mesmas regras do dadinho como a baliza, o goleiro e o formato da bola. Romulo passa a frequentar então essas ligas oficiais e passa a integrar o quadro de narradores da Fefumerj no YouTube e com o decorrer do tempo passou a ser comunicador oficial e produzir conteúdos digitais, ele conta que existem ritmos de narração diferente e também além da função na organização, o comunicador integra o quadro de atletas do Olaria Esporte Clube

Entre o êxtase e a tensão na arquibancada para os torcedores, entre o cuidado e a precisão da pesquisa, a persuasão e determinação do colecionador, entre a estratégia e apreensão na mesa, todos esses aspectos estão conectados por um elo: a paixão indissociável e o inapelável compromisso com o que o futebol representa — identidade, pertencimento e emoção. Porque quem vive o futebol, vive muito mais do que somente os 90 minutos e acréscimos.

Marcio Weber – 7° período

Deixe um comentário

Tendência