As bonecas acompanham a humanidade desde a pré-história, quando tinham funções religiosas ligadas à fertilidade. Com a industrialização no século XVIII, tornaram-se brinquedos infantis e foram se tornando cada vez mais realistas. Na década de 1990 surgiram os bebês reborn, bonecas ultrarrealistas criadas inicialmente para treinamentos médicos e, depois, como forma de arte, sendo a primeira feita em 1999 pela artista alemã Karola Wegerich.

As bonecas podem custar de centenas a milhares de reais, dependendo do grau de detalhamento, do material utilizado e do artista. São realizadas feiras, grupos online e canais no YouTube que se dedicam exclusivamente ao universo reborn, revelando um mercado em expansão e altamente lucrativo. Entretanto, também existem alguns casos de os bebês reborn terem uma função terapêutica. 

A Psicanalista Luciana Borges  comentou que os vínculos afetivos com essas bonecas, por adultos, podem ter múltiplas motivações, incluindo a busca do conforto emocional, que as bonecas podem dar,  funcionando como objetos transicionais, proporcionando sensação de segurança, alívio da solidão, a elaboração do luto, quando os indivíduos que sofreram perdas gestacionais, neonatais ou dificuldades reprodutivas, podem utilizar as bonecas como forma simbólica para lidar com a perda. No entanto,  essa expressão artística não é apenas para satisfazer o lado emocional, ela também é vista como um hobby, de colecionar ou customizar bonecas. Segundo Luciana, quando esse hobby passa dos limites, ele pode ser prejudicial à saúde, uma vez que provoca o isolamento social, substituição de interações humanas por vínculos com objetos inanimados,  fuga da realidade, potencial reforço do mecanismo dissociativo ou evitativos diante de traumas não elaborados, delírio, confusão entre fantasia e realidade, ou uso compulsivo como fuga de sofrimento psíquico intenso. “O contexto individual deve ser avaliado por um profissional qualificado para diferenciar entre o que é hobby saudável e manifestação de sofrimento psíquico relevante”, completou Luciana Borges. 

Quando o limite do comportamento deixa de ser considerado um hobby saudável, há prejuízo funcional, em que o indivíduo negligencia atividades sociais, atividades profissionais e autocuidado em prol do vínculo com a boneca. Esses casos podem mascarar ou perpetuar sintomas de depressão, ansiedade, transtorno de apego ou até psicose.

Para Leandro Teixeira, professor de Ciências Sociais, construir afetos com objetos, tal qual brinquedos, não representa nenhum tipo de problema nem causa estranheza, mas estabelecer vínculos afetivos que equivalem aos vínculos humanos, ainda mais com um vínculo maternal ou paternal, revela algum tipo de incapacidade em lidar com o mundo real e toda a sua complexidade. “Quando se deposita afeto materno e demanda-se todos os cuidados inerentes aos que dispensamos aos bebês em um boneco ultra realista, estamos diante de alguém que está perdendo a capacidade de distinguir a realidade da fantasia ou alguém que se recusa a “amadurecer”, viver no mundo real”, comentou Leandro Teixeira. 

Por isso, recuperar um momento que é entendido como mal vivido ou “pulado” faz sentido para o professor. Segundo o sociólogo, isso representa uma forma de recusa em amadurecer, já que não é aceitável adotar um comportamento infantil quando a pessoa já não está mais, emocional e fisicamente, nessa fase da vida. Ele também destacou que os principais riscos do uso excessivo desses bonecos estão na formação de uma comunidade que normaliza tanto a humanização dos bonecos quanto a infantilização do comportamento dos adultos.

Com o crescimento das redes sociais, muitas pessoas compartilham vídeos e fotos de seus bebês reborn como se fossem filhos reais, o que gera muitos debates éticos, mas o que não se percebe é que as próprias plataformas digitais promovem a redução do estigma e incentivam a adesão das bonecas. Há casos de mulheres que saem com os bonecos em carrinhos pelas ruas, frequentam pediatras fictícios, ou até mesmo os reais, e montam quartos completos, como se esperassem um bebê de verdade. 

Vitória Barreto comentou que não costuma sair com as suas bonecas, ela só leva elas nos encontrinhos que ocorrem no Barra Shopping, no Rio de Janeiro, e quando chega no shopping, ela perde a vergonha, porque o público se interessa muito nos bebês e dá uma confiança para ela. “Se eu fosse uma cegonha, que é a artista que pinta os bebês e implantam o mohair, que é o cabelinho de (cabra ou ovelha), eu iria faturar nesses dias, com o tanto de gente que quer um”, disse Vitória. Ela também explicou: “É um hobbie, uma distração. Quando estou chateada, segurar a boneca me dá um certo alívio, mas depois eu guardo”, contou. E completou: “Vou continuar com o hobby até enjoar. Quando eu me casar e tiver filhos, se for menina, deixarei as bonecas com ela.”

Existe também a comercialização facilitada na internet. Com o acesso ampliado a produtos e conteúdos relacionados, o fenômeno dessas bonecas é potencializado. Segundo a psicanalísta, Luciana Borges, quando não há orientação psicológica adequada, o acesso sem nenhuma restrição, pode reforçar mecanismos que prejudicam o emocional e o psicológico. Essa comercialização massiva transforma algo que poderia ser terapêutico em uma mercadoria comum, mascarando sinais de sofrimento psíquico.

Vanessa Ribeiro, supervisora da Loja Meu Bebê Reborn,  relatou que nos últimos anos tem aumentado bastante a demanda por conta das redes sociais, e nesses últimos casos, em que a polẽmica das bebês reborn estão em alta, as vendas têm aumentado bastante. “Geralmente quem compra mais bebês reborns são o público infantil, porém 40% das nossas vendas são para o público adulto, entre eles 30% terceira idade”. Ela afirmou ainda que existem diversos fatores para a compra dessas bonecas.  As crianças compram por influẽncia da internet e pelos amigos, os adultos, possuem muitas motivações, as mais frequentes são mulheres que nunca tiveram filhos, ou que já perderam seus filhos, e até mesmo para satisfazer um lado emocional ferido. E a terceira idade, geralmente é motivada por já terem criado os filhos, e se sentindo sozinhas, acabam adquirindo os bebês.

Vanessa Ribeiro contou uma história marcante, envolvendo a venda de uma boneca reborn. Segundo ela, uma senhora debilitada, em cadeira de rodas e no início do Alzheimer, que havia perdido o filho caminhoneiro, recebeu um bebe reborn realista, presente da neta e da filha. Ao receber a boneca, a senhora deu ao boneco o nome do neto, Roberto, que era também o nome do filho falecido. A supervisora completou dizendo que acha preocupante as pessoas não saberem diferenciar a realidade da fantasia,  mas também relatou que vender essas bonecas para pessoas que estão passando por problemas psicológicos, como a senhorinha, é muito emocionante. Portanto, ela acredita que cada indivíduo é um caso, e existem casos a parte que devem ser supervisionados. 

Duda Nicolich – 1º período 

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