A maternidade é diversa, mas pode ser facilmente julgada como uma coisa única e universal. Essa idealização é uma maneira de reforçar estereótipos que cercam a maternidade e rotulam a mulher como cuidadora do lar com conhecimentos inatos sobre como ser uma boa mãe, o “instinto materno”, o que afasta cada vez mais a imagem da mãe da realidade. 

O mês de maio é considerado o mês das mães e com o ele chega o momento de pensar o que é ser mãe e tudo que envolve a maternidade. Mesmo que o tema não seja socialmente aceito ainda, a romantização da maternidade já é discutida entre mães, especialistas em saúde mental e objeto de pesquisas e precisa ser colocado em pauta para que toda a sociedade possa repensar como compreendemos a mulher socialmente.

A psicóloga e psicanalista, Solange Frid, trabalha com famílias e diz receber muitas mães no consultório. Solange comentou sobre os papéis impostos sobre homens e mulheres e as expectativas para que a mulher seja a rainha do lar, cuidadora da prole e do casamento, enquanto o homem seria o provedor e que isso é o grande fator para que a romantização da maternidade ainda resista socialmente. Também explicou que a imagem da mulher está muito atrelada à imagem de Virgem Maria, que serviu como um espelho construído pela igreja católica, uma mulher que deseja ser mãe e ter uma família, que é recatada e do lar.

Iasmin Amaral é dona de casa e disse entender as diferentes realidades existentes para cada mãe e que é uma escolha que requer responsabilidade e preparo para lidar com mudanças, tanto internas quanto externas. Iasmin é mãe de duas meninas e diz que parte da sua vontade de ter filhos cresceu após perder a sua mãe ainda criança. “Mesmo sabendo que era uma responsabilidade muito grande, ainda assim foi uma coisa que mudou muitos aspectos da minha vida. Nas definições de prioridades, na questão de planejamento físico, mental, financeiro que tem que ser organizado por eu querer que as minhas filhas tenham o mínimo de qualidade de vida”.


Quando mães externalizam coisas como não desejar amamentar devido ao cansaço e desgaste, há certa retaliação contra essas mulheres. Esse tipo de opressão é reproduzida por homens e também por mulheres que internalizaram o discurso que idealiza a maternidade e isso pode afetar a saúde mental de todas ao culpabilizá-las por qualquer pensamento contrário àquilo ligado à maternidade.

Solange explicou que a pressão social prejudica todas as mulheres e é responsável pelas decepções e quadros clínicos. “Uma mulher em um momento que de fato exige mais atenção, como num quadro de ansiedade generalizada ou num quadro de psicose pós-parto ou numa depressão, nós, muitas vezes, enquanto profissionais precisamos também orientar a família, por que a família não entende”, relatou a psicóloga.

Iasmin disse enxergar essa questão como já enraizada na sociedade e que fatores como religião e redes sociais podem agravar a romantização e causar uma comparação, ainda concluiu dizendo que ser mãe é bom quando é uma escolha e há a compreensão de que todos momentos, sejam bons ou ruins, são consequências de uma escolha feita por essa mulher. 

Há diversas mães influencers que mostram parte de sua realidade, que é mais abastada comparada a de suas seguidoras, e assistir uma maternidade mais tranquila causa o sentimento de culpa e insuficiência para as mães que estão sofrendo com a amamentação, por exemplo. Cada mãe tem suas próprias questões e condições, a maternidade é diferente para cada uma e essa constante comparação com outras mães pode prejudicar a percepção da maternidade e desumanizar essas mães.

A realidade de mães solo no Brasil que conciliam vida pessoal com os cuidados dos filhos

Dados do Censo 2022 mostram que 41,91% das residências brasileiras são compostas por uma única pessoa, sem a presença de cônjuge. Os impactos da romantização da maternidade afetam as mães solo diferente, sem um parceiro ou parceira ou qualquer tipo de rede de apoio lidar com todas as responsabilidades e as expectativas sociais é mais difícil para essas mães.

Crianças têm sido criadas sem o pai diretamente em suas vidas cada vez mais e dados do Censo 2022 atualizados em 2024 indicam que cerca de 14,23% das mulheres são as provedoras e cuidam da criação de seus filhos sozinhas. Essa realidade pode ser muito difícil para as mulheres justamente por precisarem lidar tanto com suas próprias necessidades quanto com a de seus filhos.

Muitas mães precisam trabalhar e dar conta dos afazeres da casa, cerca de 21,3 horas por dia, de acordo com dados do IBGE e pouco desse tempo sobra para a atenção apropriada tanto para o filho como para elas mesmas. A múltipla jornada dessas mulheres pode afetar o crescimento da criança e por isso é importante uma rede de apoio sólida para auxiliar no que for preciso.

Luiza Pereira é gestora de projetos e sua filha tem 11 meses, sua rotina é corrida pois trabalha em home office e precisa dividir sua atenção entre o trabalho e sua filha que está passando pela fase das descobertas. “É muito bom ter uma boa rede de apoio, pois ajuda a dividir pelo menos um pouco a carga mental e física, dá a chance de poder descansar um pouco (e não só fisicamente). Hoje tenho como rede de apoio minha mãe e meus compadres, que me ajudam com a bebê quando preciso tomar um banho mais demorado, limpar a casa, etc”.

Helena David Romeiro é profissional de recursos humanos e diz que mesmo com todos os obstáculos tem observado melhora no mercado. “Eu acredito que o mercado de trabalho tem dado mais visibilidade para as mulheres, mas ainda temos muito para avançar na desigualdade salarial, baixa representatividade em cargos de liderança e dupla jornada. Sabemos que ainda temos um longo caminho para percorrer, mas temos a certeza que temos melhorado e estamos no caminho certo”.

As mães solo também sofrem com a romantização da maternidade, pois há uma ignorância com relação aos cuidados de um filho e há também a crença de que mesmo com todos os desafios, poder ser mãe compensaria os problemas. Mesmo com uma rede de apoio sólida e fixa, ainda é trabalhoso cuidar de todas as tarefas em suas mãos, pois no fim a responsabilidade ainda recai sobre a mãe independentemente de sua realidade.

Otávio César Oliveira é antropólogo e esclareceu que a idealização da maternidade é prejudicial para as mulheres por não levar em conta as demandas físicas, emocionais e econômicas que a acompanham e que pode ser ainda mais prejudicial para mães solo. “Ao apresentar o trabalho de cuidado como um gesto puramente afetuoso e voluntário, a romantização invisibiliza seu caráter econômico. O cuidado não remunerado deixa de ser contabilizado em indicadores nacionais e reforça a precarização da mão-de-obra feminina em outras esferas”.

Helena também explicou que somente quando houver visibilidade e espaço para ouvir mulheres será possível a ocupação das mesmas no mercado de trabalho longe de estigmas e preconceitos, com a compreensão das diversas realidades e múltiplos talentos dessas profissionais.

O antropólogo esclareceu que quando divididas as tarefas domésticas entre mulheres e homens de maneira justa e igual há menos chances de tensão, pode haver melhora na dinâmica familiar e gerar mais tempo para que essas mães possam cuidar de si e de suas carreiras. “Ao documentar práticas de cuidado conjunto em diferentes culturas, entendemos que nem maternidade e nem paternidade são essências fixas, mas configurações flexíveis moldadas por contextos históricos e políticos. Em última instância, responsabilizar igualmente homens e mulheres pela criação dos filhos não só distribui tarefas, mas transforma a percepção social da maternidade, trazendo-a para o campo de uma prática intersubjetiva, justa e sustentável”, concluiu Otávio.

Luiza Moura – 7º período.

Deixe um comentário

Tendência