Mesmo com os obstáculos como a marginalização, a população das favelas e periferias seguem transformando a forma como fazemos arte no Rio de Janeiro. Os projetos sociais possibilitam que as novas gerações tenham contato com diversos tipos de cultura, tenham referências e abrem portas para que continuem desenvolvendo cada vez mais a cultura periférica.

Recentemente foi divulgado o Panorama de Favelas e Comunidades Urbanas, por meio do Censo 2022, realizado pelo IBGE. De acordo com esse estudo, cerca de 8% da população brasileira reside em favelas, contabilizando 12.348 favelas ou comunidades urbanas em todo o país. Ao falar de favela, é preciso também abordar cultura, pois mesmo com diversas manifestações culturais, chegando até esses lugares. Trinta e oito por cento dessa população ainda não tem acesso à cultura, segundo dados de uma pesquisa realizada pela Secretaria Mundial da Juventude.

Mesmo com as dificuldades de acesso, há mobilizações para que essas pessoas tenham acesso a todo tipo de cultura e os projetos sociais entram como impulso para que as novas gerações, não só tenham contato com o mundo externo, mas também que possam desenvolver suas próprias manifestações e potencializar as vozes das favelas.

O professor, pesquisador e sociólogo André Leite citou a importância da cultura periférica para a sociedade como herança cultural e que seu surgimento vem do encontro de diversas culturas num mesmo espaço e do vínculo de cada um com elas, sendo passada de geração em geração. “A cultura periférica é fundamental, ela tem um valor imprescindível, mas eu ainda tenho a impressão de que precisa de alguém para validar aquele tipo de cultura e aí outras camadas vão reconhecer que aquilo é importante. Mas a tendência é tudo que vem da periferia sofrer um estigma muito grande, sofrer inclusive um processo de exclusão até que isso seja aceito pela Indústria Cultural, aceito pelos meios de comunicação e de divulgação de massa e isso toma uma outra proporção”.

O sociólogo afirma que a cultura periférica está para a sociedade como o ar que respiramos, ressaltou a importância da herança africana na nossa cultura

Ainda há muito preconceito com toda manifestação cultural que tenha origem favelada ou periférica. Essas pessoas continuam sendo marginalizadas pela sociedade. As favelas são vistas como lugares violentos e esse discurso é disseminado por pessoas que não têm contato com a vivência em favelas ou periferias, como consequência, prejudica esses moradores que são vistos como criminosos e ainda mais excluídos socialmente.

André esclareceu que todo tipo de manifestação cultural periférica é vinculada a violência e criminalidade e citou o funk como exemplo, explicando como alguns programas de televisão ajudaram a impulsionar o atual patrimônio cultural. “O estigma atribuído a tudo que vem disso que a gente considera da periferia, das favelas, dos bairros mais pobres, da Baixada Fluminense está sempre muito vinculado a violência. A sociedade olha para a favela e acha que a favela é um lugar violento, mas a favela não é um lugar violento, a favela é um lugar violentado e muito violentado pelas forças do estado”, concluiu o professor.

Jeferson Caliquinho, atualmente Mestre de Bateria na Mocidade Unida de Santa Marta, atua como Diretor de Bateria no G.R.E.S da Imperatriz Leopoldinense e também como Mestre de Bateria em diversos blocos de carnaval da Zona Sul do Rio de Janeiro como o Spanta Neném, Pela Saco e Suvaco de Cristo. Também foi Mestre de Bateria na São Clemente por 13 anos.

Mestre Caliquinho diz ser um espelho para os jovens da comunidade e que busca sempre acertar para que eles queiram fazer o mesmo.

O samba mudou a vida de Mestre Caliquinho, que conseguiu através da persistência nessa arte manter a casa, a família e visitar países como Japão e Estados Unidos. “Eu lembro do meu pai e minha mãe, eles só curtiam e não viam isso como trabalho, eu também curtia e não via como trabalho. Foi na onda de gostar de percussão da bateria de escola de samba e a coisa aconteceu que foi mais além. Mais além que eu digo assim conheci pessoas de fora, do asfalto, consegui levar essa garotada daqui do morro pro asfalto, viajei para vários países e isso tudo através da percussão, que nunca imaginei que ia acontecer. Começou só de brincadeira na bateria ali com o Tião Belo e foi muito mais além”, disse ele.

Tião Belo foi Diretor de Bateria da São Clemente e mestre de bateria do bloco Suvaco de Cristo, muito respeitado não só pela comunidade do Santa Marta mas por outros mestres de outras Escolas de Samba. O fundador da Escola de Samba Santa Marta faleceu ainda esse ano, no dia 18 de abril em decorrência de um câncer.

André acredita que a educação sozinha não é capaz de mudar a sociedade, que é preciso a junção entre educação e cultura para mudar as pessoas e o lugar onde vivem.  “Se você consegue proporcionar para essas pessoas lazer, cultura, auto-estima, esportes, acesso à grandes eventos, a concertos, a shows. Essas pessoas serão reflexo daquilo, conseguirão ser influenciadas por aquilo que elas assistiram, por esses espetáculos e quando você não faz isso o que vira espetáculo desses lugares é a violência. Às vezes, o que tem ali naquele espaço é aquele cineclubinho, pequenininho, num lugar todo ferrado, mas é o único lugar que eles conseguem assistir um filme com alguma tranquilidade. É a aula de capoeira, é aula de luta que tem ali, aquele projeto social que tem aula de violão, samba e acaba passando mais cultura para essas pessoas e é óbvio que isso vai se desdobrar na letra de um funk, na letra de um rap, na letra de um trap, na letra de um samba”, disse o sociólogo.

Mestre Caliquinho é líder comunitário do projeto Spantinha que ensina percussão para crianças e adolescentes, de 7 a 17 anos, na comunidade do Santa Marta gratuitamente e tem como objetivo levar esperança por meio da arte e tirar esses jovens das ruas, onde estão expostas a criminalidade. “Eu faço de tudo pra ser mais ainda, eu sou o espelho deles, se eu errar eles querem errar também, então se eu ficar acertando eles querem acertar então vou mais pro lado do acerto do que do erro porque viver na comunidade a gente tem um caminho que é mais curto que a vida do crime. 42 anos vivendo na comunidade sempre fui exemplo para os outros e eles vão ser exemplos para os mais jovens que tão vindo e através da percussão tem como educar, tem como eles ficarem mais tranquilos no colégio, e ser uma pessoa do bem”, disse ele.

Moisés, de 15 anos, é um dos alunos do projeto e disse que lá aprendeu a ter disciplina e a ser paciente e respeitar o tempo de aprendizado de cada pessoa. “Todo mundo se diverte. Aqui é a nossa segunda casa, O Jef dá educação, às vezes a gente não tem muita disciplina, ele coloca a gente no nosso lugar, ele ensina a gente a ser um pouco mais educado. Eu não era muito como eu sou hoje, antigamente eu era um pouco mais elétrico mas depois eu fiquei um pouco mais calmo”, disse o rapaz. 

André disse acreditar que projetos sociais são fundamentais e que operam uma mudança estrutural na vida das pessoas da sociedade em geral e também das comunidades. “O projeto social é uma mola propulsora que faz com que as pessoas das periferias, das comunidades, das favelas, da baixada, dos lugares mais distantes, do interior do Brasil consigam enxergar mais de perto seus objetivos e às vezes é o único lugar que alguém vai dizer para ela assim “Cara isso aqui é muito bom!”, “Você é bom!”, “Você escreve bem!”, “Você toca bem!”, “Você tem o dom!”, “Você pode fazer!”, “Você pode ser!” ”, concluiu o sociólogo.

Mestre Caliquinho concluiu dizendo que nunca tiveram ajuda do Governo e que as favelas têm muito a contribuir para a cultura, com a oportunidade certa essas comunidades vão longe. “Tem muito talento perdido dentro das comunidades não tá muito longe pra você achar não, é só você ir lá dentro que você acha muito talento entendeu. E se perde porque o caminho das drogas é mais fácil, cê vê muitos jovens aí no caminho das drogas se você conseguir dar a oportunidade pra essas pessoas e tiver paciência como eu tenho com essa garotada, eu acho que a gente vai recuperar muitos jovens, muitos adolescentes da comunidade que são o futuro da nossa nação”, disse Jeferson.

Luiza Moura – 6° Período

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