O popular evento comercial está cada vez mais enraizado no calendário brasileiro, onde o setor comercial explora em diferentes segmentos e vertentes, entretanto a celebração do evento no Brasil é controversa.

Quem nunca se deparou com aquelas abóboras terríveis, ouviu falar de Halloween em seriados, filmes e livros que atire a primeira pedra. O Dia das Bruxas, comemorado no dia 31 de outubro, parece estar cada vez mais firme no calendário festivo brasileiro. Com eventos até novembro, invade diferentes regiões do país, e está presente nos mais variados estabelecimentos de ramos que não se restringem ao setor de entretenimento e setor alimentício e vira data cativa até mesmo em condomínios residenciais casas, conhecida como a Noite de “doces ou travessuras” é cada vez mais comum, pelo menos no setor do comércio.

Conforme a plataforma Sympla, cerca de 59 eventos estão previstos na cidade do Rio de Janeiro. Os eventos vão do dia 30 até 16 de novembro. Setores lojistas especializados, como o conglomerado Vivian Festas, franquia especializada em festas e confeitarias, reservam o calendário com diferentes artigos, condimentos e fantasias temáticas para essa data.

Danielle “Elpis” Carvalho, gerente de locação do Vivian Festas da unidade Barra da Tijuca, relata que foi possível observar um aumento exponencial de locações em relação ao ano passado e que o consumidor prefere ir às lojas perto do final de outubro com as comemorações do Halloween. “Desde a pandemia, houve um crescimento nos consumidores residentes de condomínios na Barra da Tijuca, a loja tem ficado bem cheia, chegando até a ter filas, só conseguiremos ter um balanço comercial lá para o dia 8 de novembro, mas já houve um crescimento de 42% em relação ao ano passado”, conclui.

Danielle “Elpis” Carvalho observa aumento no consumo de locações de artigos temáticos de Halloween

Apesar de os consumidores terem aumentado, a compra de artigos, tem diminuído na loja, conforme a vendedora Maria Eduarda Neves.  Ela conta que o movimento em anos de pandemia ,como o de 2021, as compras foram mais significativas, comparadas a este ano de 2024. Para ela, foi possível perceber um desinteresse maior do que os outros anos na relação da compra de fantasias e doces.

Maria Eduarda Neves atesta que o movimento de compras não atingiu as expectativas iniciais.

“O movimento tem sido bom, mas não alcançou a expectativa, porque tivemos um baixo nível de procura geral, mas um dos fatores positivos é que às vezes um cliente só compra muitos artigos que movimentam mais a loja”.

Diferentes setores culturais aderiram ao Halloween. No Viaduto de Madureira, a cultura carioca e a atmosfera do terror se misturam. Outros pontos centrais da cidade do Rio de Janeiro, como a Marina da Glória e o Copacabana Palace, também já receberam as respectivas celebrações relacionadas ao evento comercial.

Carlinhos Eberius, produtor e promotor de eventos, organiza o evento “Doce ou Travessuras”, o evento conta com música ao vivo e concursos de fantasias. “Nosso evento é uma celebração imersiva de Halloween que combina o espírito tradicional do ”trick or treat” com uma atmosfera festiva”.

De acordo com ele, mesmo que a popularidade do Halloween possa enfrentar controvérsias por ser uma celebração importada, o evento possui um apelo visual e uma oportunidade de entretenimento capaz de estimular o setor de calendário de eventos. Conforme Carlinhos, o Halloween “veio para ficar”.

Halloween, A Indústria Cultural e a despersonalização. 

O professor Andriolli Costa, coordenador do Laboratório de Projetos de Podcasts Narrativos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, expõe uma visão crítica da celebração do Halloween no Brasil e em outras partes do mundo em detrimento da Indústria Cultural e pouco tem a ver com a tradição original do evento.

Andriolli Costa enxerga o Halloween como uma data comercial e acha importante colocar contextualizar o evento

“O que chega a nós do Halloween tem muito pouco a ver com o Samhain celta que tem a ver com a sua origem, mas o festejo foi completamente cooptado pelo comércio e pela Indústria Cultural fazendo com que a gente esteja celebrando não uma festa celta, mas sim uma mimetização de comportamentos culturais que nós vemos no nosso filme favorito, nosso livro favorito, seriado favorito que por conta do Soft Power da Indústria tende a ser estadunidense”, disse Andriolli

Para Andriolli, a comemoração desses eventos são uma comemoração dos imaginários de consumo. O pesquisador também aponta que não vê problemática direta, mas aponta que é preciso contextualizar que se trata de um festejo apenas comercial, assim como a Oktoberfest, onde não se tem necessariamente um reduto de imigrantes alemães, por exemplo, aqui a cultura global se impõe.

“Isso gera uma ausência de pontes afetivas com aquilo que dialogaria mais com as identidades sócio histórico culturais, pois talvez as crianças que estão pegando doce ou travessura, não aceitem os doces de São Cosme e Damião. Ou elas vão achar ridículo você se fantasiar com uma fantasia de mito brasileiro, mas vão achar super legal se for um vampiro ou alguma coisa que apareceu na mídia”, comenta.

O “Dia do Saci” foi criado pelo Projeto de Lei No  2.479, de 2003, de autoria da ex-deputada e prefeita da cidade de São José dos Campos, município de São Paulo, que defendia a criação da data como uma forma de valorização da cultura nacional, em especial para a juventude brasileira.

Apenas algumas cidades, como São Luiz do Paraitinga em São Paulo, se valeram do exercício da comemoração da data, outras arquivaram o processo por pressão de comunidades religiosas, em grande maioria de igrejas neopentecostais e também no congresso brasileiro, que vetaram o avanço e fizeram alarde quanto ao dia da Saci.

Segundo Andriolli existe uma demonização da figura do que representa o saci e sobre demais mitos expressões do nosso imaginário popular e mesmo quando essa legislação é posta não há um cumprimento dessa legislação, pois o poder público não fornece recursos e material de apoio para que escolas façam a festa do saci.

“No Folclore Br, coletivo do qual faço parte, a conclusão que a gente tem é que para um educador que tem sua rotina muito pesada e que demanda bastante é muito mais fácil pensar Halloween, uma vez que só ele está ali consumível e está encapsulado na cultura de massa, tem brincadeiras, doces ou travessuras e aquele terror mórbido e no dia do Saci se faz o quê? — Tudo — O que você quiser, essa proposta que é tão livre e anárquica, como o próprio Saci é, quando foi proposto o dia do Saci pela Sociedade dos Observadores do Saci em 2003”, conclui.

Em meio a tantos eventos celebrando o Halloween, o coletivo Arteiro, um dos produtores parceiros do estabelecimento São Dom Dom, em Niterói, realizam o evento Dia do Saci, Paulo Beto, produtor cultural e para ele o mote principal de organizar uma festa como essa é de poder apresentar a cultura brasileira para o brasileiro para que o percebe que é processo de despersonalização e aculturamento.

Paulo Beto junto ao coletivo Artearia defende a valorização cultural da identidade brasileira.

“Nosso objetivo é apresentar as imagens, as figuras, onde se possa fazer o movimento das ancestralidades e assim ir se reconhecendo, não se permitir ser seduzido ou se seduzir por outras perspectivas que são até antagônicas a nossa própria natureza, nós fazemos esse evento como outros porque é necessário, por todo preconceito e resgatar. Acredito que só da pessoa ler sobre o dia do Saci, ver imagens, vai ter outra força pela expressividade, pela música e divulgar o Brasil para o brasileiro, não com essa presunção, mas com a humildade de criar um espaço onde as pessoas possam ir e se relacionar com o máximo de características da sua própria identidade”. 

Já Andriolli vai para um caminho de relativização, mas com um posicionamento firme, pois conclui que nem sempre as pessoas sabem o que fazer com tudo e acabam por não fazer nada e por isso grande parte da população encontra resistência na comemoração da data, ele também defende que o que é do comércio nunca terá a mesma relevância histórica e social do que aquilo pertence à cultura popular transmitida por gerações.

Marcio Weber – 6° Período

Deixe um comentário

Tendência