Com o aumento de casos de Intolerância religiosa contra religiões como candomblé e a umbanda, as pessoas que fazem parte desses grupos religiosos têm se sentido mais encorajados e não pretendem deixar esse comportamento impune. Esse aumento tem levantado diversas questões que cercam a intolerância como o fundamentalismo religioso, racismo religioso e o racismo estrutural.

Maria Eduarda Araujo é adepta do Candomblé, uma religião de matriz africana, uma das religiões alvos de ataques intolerantes dos mais variados tipos. “Minha religião é parte essencial da minha identidade e da minha história. Ela me conecta com meus ancestrais  e me dá um senso profundo de pertencimento e propósito. A espiritualidade que pratico está enraizada no respeito à natureza, ao equilíbrio e ao cuidado com a comunidade. É uma vivência de amor, acolhimento e sabedoria ancestral, que me guia em todos os aspectos da vida”, disse ela.

Maria Eduarda relata já ter sofrido intolerância religiosa no ambiente de trabalho por conta de determinados adereços. Fonte: Arquivo pessoal.

Uma pesquisa realizada pelo Disque 100 mostrou um aumento significativo de denúncias e violações de direitos humanos por intolerância religiosa. São 1.478 denúncias, um aumento de 64.59% e 2.124 violações, representando um aumento de 79.39%, esses dados mostram um crescimento dessa prática que é prejudicial não somente aos grupos religiosos mas a sociedade como um todo.

A advogada Shaiane Martins explica que intolerância religiosa não é um crime em específico mas possui tipificações. A mesma esclarece que a Lei 7716/89, em especial o artigo 20 diz que praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional pode redundar em uma reclusão de três anos e multa, também traz a qualificadora do crime de injúria no artigo 2° que diz injuriar alguém ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro em razão de raça,  cor, etnias ou procedência nacional pode resultar em pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa.

A advogada indica que o registro de ocorrência pode ser realizado virtualmente no site da polícia civil, até mesmo pelo celular. Fonte: Arquivo pessoal.

Uma denúncia pode ser o estopim para que outras pessoas se sintam encorajadas e façam o mesmo. Shaiane ainda reforça que crimes praticados em decorrência de intolerância religiosa devem ser denunciados. “A denúncia é de suma importância, haja vista a necessidade de visibilidade pela sociedade de que adianta sim denunciar os crimes sofridos, pois os responsáveis serão punidos e, num geral, as pessoas pensarão duas vezes antes de cometê-los novamente”, completou Shaiane.

O Reverendo Paulo Roberto condena a intolerância religiosa e diz que toda e qualquer forma de violência é inaceitável. “Intolerância não está presente nos ensinamentos bíblicos. Intérpretes há que se valem de passagens isoladas para fundamentar suas ações. Na Bahia, mais precisamente na cidade de Santa Maria da Vitória, nos anos de 1982, conheci uma senhora que, à época, era octogenária e me relatou que havia sido apedrejada. Notem que, em respeito, sequer mencionei o nome dos responsáveis pelas intolerâncias aqui narradas. Analisando bem, a intolerância revela um sinal de fraqueza. Quem tem convicções e certezas não é intolerante”, relatou o mesmo.

Stella Viana, também do candomblé, diz já ter sofrido intolerância, a maioria de forma velada. “A situação mais escancarada que passei foi na volta de um candomblé na casa de uma conhecida da minha Doné (zeladora/mãe de santo). Teríamos que voltar em um carro de aplicativo, e o homem se negou a nos levar quando chegou ao destino dizendo que não levava “macumbeiro” no carro dele. Arrancou com o carro, mas não foi nada comparado ao que poderia ser, e ao que muitas pessoas já passaram”, disse ela.

Stella disse ter chegado na religião com medos, pendências, e questões a serem resolvidas mas que mesmo assim foi amor à primeira vista. Fonte: Arquivo pessoal.

A intolerância pode ir além de falas preconceituosas e xingamentos. Há diversos casos de terreiros invadidos e depredados, imagens de santos e oferendas destruídas, agressões contra praticantes e até mesmo a morte de mães e pais de santo. Situações do tipo são uma ameaça à liberdade religiosa, que impede que as pessoas pratiquem e manifestem sua fé sem medo de serem xingadas ou agredidas.

O sociólogo e professor do IFRJ, Jorge Alexandre Alves, afirma que a intolerância religiosa tem raízes no racismo estrutural e fundamentalismo religioso que contribuem para que a demonização das religiões de matriz africanas seja perpetualizada. “Nesse cenário de avanço do extremismo político, de uma cultura do ódio da violência como marca da nossa sociedade, a gente não pode esquecer que o Brasil embora tenha se dito o contrário no século XX, o Brasil foi historicamente uma sociedade profundamente violenta e essa violência não desapareceu, ela apenas assumiu outras formas na sociedade brasileira”, disse o professor.

Jorge Alexandre Alves acredita na educação, em especial a escolarização, como principal caminho para a conscientização da população. Fonte: Arquivo pessoal.

Para que as pessoas possam compreender melhor sobre as religiões de matriz africana, é preciso orientar e conscientizar para que a intolerância religiosa diminua. Maria Eduarda diz que busca sempre esclarecer com calma e firmeza sobre sua religião quando questionada. “Muitas vezes a intolerância vem de uma falta de conhecimento. Em casos mais graves, busco apoio legal e de grupos de proteção aos direitos religiosos. Além disso, me cerco de pessoas e comunidades que me apoiam e fortalecem, o que me dá forças para enfrentar essas situações”, complementou ela.

Stella relata que entende que ser branca conta bastante no momento em que alguém despeja parte do ódio sobre a religião dela. Ela ainda complementa dizendo que já foi questionada diversas vezes do por que de estar numa religião só de “gente de cor” e  que por ser muito “branquinha” não fazia sentido. 

Diversas pesquisas estudam o racismo religioso, que envolve a intolerância religiosa e que ainda está sendo estudado no Brasil. O termo “racismo religioso” caracteriza o preconceito e/ou ato violento contra adeptos de religiões de matrizes africanas e é bastante apontado por estudiosos como motivador para os ataques intolerantes, visto que há uma constante necessidade de impedir que esses grupos manifestem sua fé, por exemplo, quando ocorre um incêndio criminoso num terreiro.

O professor Jorge Alexandre Alves acredita que a intolerância religiosa seja um dos grandes males da sociedade atual e reforça que é preciso dar espaço para essas religiões publicamente para que a diversidade religiosa possa se estabelecer. “A intolerância ela é uma grave ameaça a laicidade do Estado que é uma conquista lembrando que o Estado laico não é a condenação de nenhuma religião, não é a perseguição de nenhuma religião como muitas vezes se tenta fazer crer nas mídias sociais, mas o Estado laico é exatamente a garantia. O Estado não ter uma religião justamente para poder garantir a diversidade religiosa da população e garantir o direito de quem é religioso mas também o direito se quem não deseja crer em nada”, esclareceu o sociólogo.

A intolerância continua a ter impacto nas religiões afro-brasileiras, que mesmo resistentes são marginalizadas cada vez mais. Maria Eduarda acredita que a longo prazo, o comportamento pode invisibilizar culturas e práticas valiosas e enfraquecer ainda mais a diversidade religiosa.

Stella afirma que é possível ver o impacto atualmente e que acredita que a reclusão pode ser uma das maiores consequências da intolerância religiosa. “As pessoas têm medo de andar na rua com as suas vestes religiosas, seus fios de conta. As pessoas têm medo. Nem as oferendas a Iyemonjà têm sido as mesmas em dezembro, com medo de serem alvejadas por tiros na orla de uma praia, e no final não acontecer nada. Não são feitos mais certos tipos de rituais na natureza como eram feitos em tempos passados por medo, proibição, preconceito”, esclareceu ela.

Para o Reverendo Paulo Roberto o respeito é sempre essencial e é o que prega em seus cultos. “Trabalhei em atividade religiosa na área pública, sempre tive consideração pelos outros grupos religiosos. Tanto que foi assim que um dos grupos, quando me aposentei, preparou uma festa de despedida. Não eram protestantes. Tudo isso por ter sempre tratado os outros grupos com respeito. Penso diferente, mas não preciso ser inimigo”, afirmou o pastor.

Luiza Moura – 6° período. 

Deixe um comentário

Tendência