Poucas salas e a não renovação da lei de cota de tela escancaram uma longa questão

Toda quinta-feira nos cinemas brasileiros surgem novas estreias, vários tipos de filmes chegam ao espectador, mas uma situação tem se tornado cada vez mais comum no país: a maioria das salas disponíveis está lotada de produções internacionais e nenhuma brasileira conseguiu chegar no top 10 de melhores bilheterias até agora. O mais perto desse ranking foi “Os Aventureiros – A Origem”, dirigido por André Pellenz e interpretado por Luccas Neto, que faturou cerca de R 380 mil de bilheteria, valor que representa hoje menos de 6% em relação à décima maior bilheteria deste ano, com a obra “Oppenheimer”, que alcançou R 60.280 milhões 

O desempenho comercial e a baixa adesão do público acompanham a distribuição escassa que muitos filmes recebem em território nacional, mais restrito aos cinemas de arte em zonas mais nobres de cidades metropolitanas e horários limitados, o acesso dificultado coloca em pauta uma questão política importante que é a criação da nova regulamentação da cota de tela prevista no projeto de lei 3.696/2023

“A cota de tela procura proteger o produto nacional e preservar que as obras nacionais tenham um mínimo de salas em exibição, então é obrigatório que toda sala de cinema tenha uma porcentagem de cinema nacional sendo exibido, o que acontece é que existe um fator burocrático que o governo precisa de um decreto presidencial para a renovação de cota de tela e isso não ocorreu desde o governo Temer”, diz a professora e pesquisadora Thalita Bastos

As cotas de tela foram criadas por uma lei promulgada no governo Getúlio Vargas, em 1936, que defendia o patrimônio artístico e cultural brasileiro, e, em especial, a difusão de livros e filmes. Hoje a interrupção das cotas de tela faz com que a porcentagem dos filmes brasileiros seja progressivamente inferior ao longo dos anos.

Um caso recente foi o filme “Tempos de Barbárie – Ato I: Terapia da Vingança” de Marcos Bernstein, que teve estreia no dia 16 de agosto e foi exibido em pelo menos dez salas. Dez dias depois já não existem sessões do filme para a próxima janela de exibição.

A educação audiovisual brasileira ainda é ameaçada por uma questão. A pesquisadora Thalita Bastos analisa que as pessoas associam o conteúdo nacional às telenovelas e ao conteúdo de séries, mas que existe um processo de educação audiovisual que permite a valorização do cinema brasileiro capaz de apresentar obras de qualidade. Isso esbarra no ponto de vista dos exibidores, uma vez que  o mercado precisa se autogerir e opta por Blockbusters. 

Segundo o Ministério da Cultura, a parcela de filmes brasileiros caiu de 13% para 1,8% em 2021. Já em 2022, a presença foi de cerca de 4,2%. No segmento da televisão, impulsionados pela regulamentação da Lei 12.485/11, de 2010, que prevê a Cota de Tela para conteúdo televisivo, o percentual da programação brasileira era 1,5% e em 2021, passou para 14,7%

A tramitação do projeto da nova regulamentação para a cota de tela, com o intuito de prorrogar as cotas do cinema para 2043, tem gerado preocupação pela possibilidade do atraso, e articuladores políticos como os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Humberto Costa (PT-PE) se manifestaram para que o projeto saia com a devida urgência. 

Enquanto a renovação não acontece, espectadores sentem na pele a desigualdade do circuito de exibição brasileiro. A estudante de cinema e audiovisual da FACHA (Faculdade Integrada Hélio Alonso), Ana Beatriz Haikal, revelou que já ficou muito desapontada com algumas estreias e a dificuldade de conciliar uma agenda cinematográfica como espectadora, por muitos filmes brasileiros saírem de catálogo.

“É desestimulante, visto que algo que tem sido quase que a norma (prioridade do conteúdo internacional e não parece que vá mudar tão cedo”, disse a estudante.

A pesquisa Thalita Bastos acrescenta que existe sim uma procura do público por filmes nacionais e associa que o fato do filme Besouro Azul, mesmo sendo um filme de super-herói, mobilizou os espectadores por ter uma estrela brasileira, Bruna Marquezine. Ela afirma ainda  que a distribuição e a visibilidade de festivais de cinema, como Gramado, são importantes para gerar repercussão nas produções brasileiras. Mas reforça que é preciso fazer com que o cinema brasileiro tenha mais janelas de exibição para se ter uma verdadeira educação audiovisual.

Márcio Weber – 3° período

*Produto produzido para a disciplina de Jornalismo online, sob a supervisão da professora Michele Vieira.

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